terça-feira, 26 de outubro de 2021

Pelos olhos delas

faz da vida um contínuo domingo de verão
dos mais enfeitados e transparentes, chegam a ter rostos
basta o fervor do céu e o frescor nas mãos
transita com pegadas de bamba
traduzido em som, seria um cadenciado samba
passada arrastada, sem forças para tirar os pés do chão 
serelepe, sereno e sem esforço
talvez preguiçoso
lembrara um conto do Rio antigo 
mulato andarilho pelo centro da cidade
está distante dos mais altos, mas também não cabe no bolso 
de papo mole com desvios delicados
empurrando para singelas armadilhas
retinto na cor, brilhara como as estrelas da noite que tanto se guia
e ali se via os saudosos malandros 
os mais novos o miravam, feito um espelho com arranhões imperceptíveis
simples como a mais básica adição 
e as pernas de saias aguardam pelo erro matemático
afim de qualquer dia, um mais um resultar em três 
quem sabe do encanto quebrar o vidro de vez 
mas são pelas suas retinas e bocas 
que a manha e malícia o dominam de vez.

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Passarinho

sente nesse balanço
veja se vão te empurrar
ou brinque sozinho, seja independente
ainda assim, devagar, o tempo por vezes voa
e os relógios, uma hora, levam nossas memórias
nessa batida de tempo, baterá suas asas
pensará em ignorar teus pés
que tanto fez força para se equilibrar
mas pés no chão
cairá mesmo após aprender a correr 
ou melhor, planar
faço presença a te reerguer 
os malabarismos para te segurar 
mas teus ralados irão aparecer
quando ninguém estiver perto a notar
tuas penas há de caírem
é da tua espécie esses ferimentos surgirem
rasos, profundos, internos e externos 
saberá lidar sozinho
feito um forte passarinho
que apressado, tropeçou e caiu do ninho
sabiá, sabichão
bem-te-vi, quero-quero te ver bem
beija-flor mais preciosa que é tua mãe 
canário-da-terra declarará independência
meu joão-de-barro, amor à sua residência

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Espetáculo

maquia um sorriso ao rosto pelas manhãs
desfruta da rotina sem espernear
riso amargo, beira o contraditório
mas está lá a estampar 
problemas cobertos pelos lençóis da cama
lamentos postergados ao que se ver clarear
receio de ser um mero drama
seguimos a trilha, viva a trama
ao dia, põe o riso a cara, vá embora
o personagem não pode morrer 
ator teatral, esconde como ninguém 
escondo-me feito ninguém 
talvez procure alguém 
está tudo bem, amém 
contratempo eles também têm 
disfarce mantido a copos e maços 
a temer de ser engolido pelo cansaço 
a maquiagem matinal precisa existir
o circo carece do palhaço sorrir.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Rua dos Bobos, N° zero

tua imagem, teu retrato sem moldura
tintura as paredes da casa
pintadas das cores que tu apontou
e nem as viu coloridas 
tem memória tua em cada cômodo
tem respingo teu em cada quina
um peso amargo junto a lembrança 
os cantos ecoam vozes de semelhança a tua
as portas batidas remetem a rimas que a ti um dia já foram escritas
saudades empoeiradas do teto ao chão
e há semanas não se vê faxina 
os risos se perderam na bagunça do armário
trancados em gavetas de chaves perdidas 
alegrias varridas para debaixo do tapete 
a paz abafada pelos montes de roupa
fantasmas no quarto rompem o sono
apesar do cheiro novo, o colchão é duro ao deitar
teus vultos ao anoitecer infestam o corredor
homem de pouca fé, desaprendi a rezar.

sábado, 27 de março de 2021

A lua tá me seguindo!

Pra onde eu vou ela vai. Ela compete com o sol, consigo vê-la de dia. Eu gosto da companhia dela, ela não tá me seguindo, na verdade, sou eu quem tô seguindo ela. Procurando os lugares mais escuros pra sentir cada vez mais o brilho dela. Eu amo o brilho da lua, desde a lua nova até a lua preenchida. Eu amo quem me ensinou a amar a lua. E a Lua não me deixa esquecer disso, ela energiza o que resta de sentir em mim, e como sempre faço, tento esticar o máximo que consigo o sentir, pra que logo passe, e eu volte pro lugar obscuro que pertenço. A fadiga de amar é linda e traz bom senso. Eu só nunca me senti legítimo pra sentir isso por tanto tempo. Eu nunca quis me despedir de verdade das pessoas que amei, queria que estivessem comigo a todo momento. Não cabe a ninguém a tarefa de me punir pelo consentimento. Pelos erros seguidos que decidiram caber em mim, o pior homem de todos os tempos. A lua tá me seguindo, ela me diz por dentro, pra olhar pra cada estrela ao seu lado e lembrar que as mortas brilham apesar do tempo. Eu queria me despedir sem tantos lamentos, sem deixar tantas feridas e como um vírus, matar por dentro quem me hospeda e morrer com o tempo. Talvez eu busque a solução menos convidativa pra quem sabe reparar os danos provocados pela falta do dengo. E por ter visto a lua, sinto que já tive a melhor vida de todos os tempos. Aquele abraço.

domingo, 21 de março de 2021

O medo da mediocridade

Estar entre também é estar

O tempo do meio entre um encontro e o outro

Também é tempo


A cada lágrima, é como se algo estivesse saindo de mim

Pra evaporar e virar parte do universo

Parte do meio, virar história


Eu faço parte do meio

Mas ainda sim me doi tanto sentir você fora de mim

Sem os compromissos que garantiam a nossa formalidade


Eu tenho muito medo da mediocridade

De sentir saudade, de dizer faz parte

De sentir amor, de me sentir amado

De mentir que era verdade, quando você me perguntou aquele dia

Se eu sentia falta você de tarde



terça-feira, 9 de março de 2021

Algumas pausas duram pra sempre

Entre o dia e a noite existe tudo

Entre os tempos e os espaços dos dentes

Entre mais uma vez pela mesma porta

Saia por outra e seja a mesma


Somos as histórias que contam de nós

Daquelas que lembram de mim

Do amor que não dei

Os espaços esquecidos dentro do fim

 

Sem tempo para intervalos 

Sempre pedindo que pausem

Sem olho pro que sinto

E pedindo que me abracem

 

Sem gosto pro que beijo

Com desejo pelo resgate

Das caras coladas e dos peitos deitados

Das brandas risadas e os dias escassos

 

A falta de algo nem sempre é vazio

As facas do ego capaz de ser ninho

Os murros em pontas delatam

O que não quero quero é ficar sozinho

quarta-feira, 3 de março de 2021

Ponteiros e ampulhetas

Ponteiros acima do peso se arrastam para correr 
reféns de relógios, sejam de pulsos ou de paredes
somos naturalmente impacientes 
prematuros por vezes desde berço 
afobados por respostas 
ansiosos por resultados 

não somos analgésicos para angústias
muito menos lenços secos em aflições próprias
submissos de convicções confusas
de uma cabeça atônita 

dizem sobre paciência
de correr sem saber andar 
ouço de carroças na frente dos bois
de ter calma e mirar o depois
somos nossos pacientes
e não temos a receita

diferente dos ponteiros, batimentos seguem depressa
pensamentos frágeis flutuam pela mente
tropeçando em ampulhetas, aguardamos sentenças
de um menino, tempo, que brinca com gente.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Sensações

a sorte da rosa mais vermelha 
da fruta mais bonita da feira 
dos respiros em tardes de outono 
a noite mais tranquila de sono

o bombom mais gostoso da caixa
a tua roupa preferida do armário
a fragrância mais agradável a te invadir
a comédia que sempre te faz sorrir 

o peixe mais fresco da barraca
o canto da cidade onde o pôr do sol é mais bonito
a música mais tocada na rádio
o cheiro de um novo livro 

o motor mais veloz a andar
o sorriso mais sincero que abriu 
a paz incrível ao descansar
é do motivo mais puro que sentiu.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Achados e perdidos

agradável como as boas surpresas
facho de sol no final de um dia chuvoso
borrão colorido e pote de ouro em céu nublado
na mesma precisão de um ponteiro 
remédio de manhã para corpo doloroso
tais como coisas inesperadas
passo descansado, gosta de estar descalça
eufórica, presente, mas sem alarde
sucinta, mesmo que imponente
fez como se a casa fosse sua
talvez tivesse a chave 
arrumou as gavetas, organizou o armário
trouxe seus móveis e lar doce lar
sem bater na porta
quiçá deixei aberta
mas certeza que seria invadido 

gol nos acréscimos do segundo tempo
notícia confortante em plena segunda feira 
notas achadas em chãos de cimento
um desconto por qualquer besteira
sorrisos são dados por uma boa surpresa.